sexta-feira, 3 de julho de 2009

Um poeta, uma época (III)

Um poeta, uma época (III)

Sitônio Pinto

Os párias vestiam-se à sua maneira, com os paletós pelo avesso, e tinham manifestações peculiares e espetaculares, como as “neuras”, quando entravam em “agitação psico-motora”, sapateando, balançando os braços e gritando em altos berros, isso nos pontos freqüentados pela melhor sociedade — como no footing da Praça dos Três Poderes. Às vezes, comiam a grama da praça, de quatro pés, à Nabucodonozor. Eram essas performances meios de chocar a burguesia da época. Um dia, os párias deram uma neura no Clube do Silêncio. Em baixo era a sede de uma loja maçônica, o térreo e o primeiro andar separados por um soalho de madeira. O som da neura incomodou os irmãos maçons, que solicitaram a intervenção da Rádio Patrulha, instalada na esquina ao lado, para acabar com a reunião da pariagem no zuadento Clube do Silêncio.
O grupo de pintores e escultores contava com Hermano José, Raul Córdula, Marlene Almeida, Archidy Picado, Breno Matos, os irmãos Ademar e Marisa Barros, e outros ocultos no claro-escuro da memória. Vanildo não pintava, mas era interessado em estética e história da arte. Dominava bem o francês, e, assim, lia para quem quisesse ouvir os livros de teoria e técnica que lhe chegavam às mãos. À noite, fazíamos a “ronda lírica”: passeios a pé e em grupos pelas ruas sonolentas da cidade. Esses encontros eram animados pela voz seresteira do poeta Zezito Cabral – na opinião do teatrólogo Ednaldo do Egito, ”o maior cantor do mundo”. O vocabulário da pariagem era, em sua maior parte, da verve do pintor Ivan Freitas. Mas o agrupamento deve muito à gravidade de Vanildo, principalmente com sua editoria n’ A União nas Letras e nas Artes.
Na sua tentativa de definir aquele orfeão de poetas — mesmo fértil de contradições, pois os havia de várias correntes filosóficas — Vanildo Brito transborda o núcleo dos poetas e alcança outros grupos de artistas. Vejamos essas palavras da sua Introdução à antologia Geração 59:

Nunca se sentiu tanta sede de Absoluto como no atual momento histórico. E a Arte, como não podia deixar de ser, reflete fielmente este anseio de Transcendente. Nas artes plásticas, os abstracionistas deixaram bem a claro as tendências espiritualistas das modernas orientações estéticas. O primeiro livro de Kandinsky chamava-se Ä Espiritualidade na Arte”; segundo MICHEL SEUPHOR, esta obra concluía proclamando uma nova era, um período de intensa espiritualidade, que encontraria a sua expressão através da Arte. É o mesmo MICHEL SEUPHOR quem afirma ter encontrado em notas até então inéditas de MONDRIAN estas palavras: “A Arte não tem nenhuma significação, a não ser quando expresse o não-material, — pois é isto que possibilita ao homem a superação do seu próprio ser”.
Esta tendência espiritualista na Arte moderna vem de longe. Já em "O Nascimento da Tragédia”, afirmava Nietzsche que os elementos essenciais que provocaram a irrupção da tragédia ática foram

“... a concepção fundamental do monismo universal, a consideração da individuação como causa primeira do mal, a Arte finalmente figurando a alegre esperança de uma libertação do jugo da individuação e o pressentimento de uma unidade reconquistada”.

Não são, porventura, esses os motivos fundamentadores da atual tendência artística? E não estão refletidos, também, na moderna poemática paraibana?

Vanildo Brito não só foi um poeta da G-59, mas também um filósofo, um esteta – embora seu pensamento nem sempre coincidisse com o ponto-de-vista de sua geração, em grande parte inclinada ao marxismo, enquanto o poeta das “Odes ao Cabo Branco” identificava-se com Nietzsche, Spengler e Rilke – mas, acima de todos, Jorge de Lima, cuja obra poética considerava “o quinto Evangelho iluminado”.



À noite, fazíamos a “ronda lírica”: passeios a pé e em grupos pelas ruas sonolentas da cidade.