sexta-feira, 3 de julho de 2009

Propaganda enganosa

Propaganda enganosa

Sitônio Pinto

Recentemente vi um filme promocional de turismo da Paraíba, relativamente bem feito, mas portador de uma grande mentira sobre o Estado. A peça estava sendo exibida num monitor de TV da recepção de um hotel da orla marítima. Disseram-me que sua veiculação se destinava mais ao mercado externo, isso é, aos pólos emissores de turismo, principalmente para exibição nas feiras, congressos, agências de viagens etc. Não sei quem criou e produziu o filme, pois não esperei pelo final para ver os créditos (nem quero saber). A fotografia era razoável, o feijão-com-arroz das peças publicitárias, a paisagem facilmente identificável para quem conhece a terra dos irmãos Arruda Câmara, de Zé Lins, de Augusto dos Anjos, embora o filme não referisse esses nomes – nem outros do mesmo prestígio, como Chateaubriand, Ariano Suassuna, Celso Furtado, José Siqueira, Pedro Américo ou Ivan Freitas. Penso que não seria pedir demais para um comercia,l mesmo destinado ao grande público. Pois deve interessar ao turista que para aqui vem, conhecer a Paraíba do fundador da Ordem dos Músicos do Brasil e da Orquestra Sinfônica Brasileira, que foi o maestro José Siqueira; a Paraíba do fundador dos Diários Associados e da televisão brasileira, que foi Assis Chateaubriand; a Paraíba do único presidente dos três poderes da República, que foi Epitácio da Silva Pessoa; a Paraíba do romancista José Lins do Rego, do poeta Augusto dos Anjos, do teatrólogo Ariano Suassuna, do economista Celso Furtado; dos pintores Pedro Américo, Ivan Freitas, Miguel dos Santos, Flávio Tavares, João Câmara e Raul Córdula; a Paraíba dos cineastas Vladimir Carvalho, Linduarte Noronha, Rucker Vieira e João Ramiro, que fundaram o Cinema Novo Brasileiro, conforme disse Glauber Rocha, e dos cineastas Walter e Lula Carvalho, continuadores de Vladimir; a Paraíba dos compositores e instrumentistas Sivuca e Radegundes Feitosa, considerados, respectivamente, o maior acordeão e o maior trombone do mundo; a Paraíba de Zé, Luiz e Elba Ramalho; a Paraíba de Vital Farias, de Jackson do Pandeiro, de Canhoto e de Ratinho (aquele que compôs o chorinho “Saxofone, por que choras?”). A Paraíba dos grandes nomes que Pernambuco, às vezes, quer encampar, como Ariano, Chateaubriand, Celso Furtado, Raul Córdula e João Câmara, e dar de troco, desterrado e banido, um bandido do Vale do Pajeú que fez derramar tantas lágrimas e tanto sangue no Nordeste Brasileiro. Ou Pernambuco quer deportar ou a Paraíba quer importar o facínora execrável, sem nenhuma necessidade, e dele fazer propaganda enganosa (art. 67 do Código de Defesa do Consumidor), mostrando ao turista, no seu filme promocional, a figura abominável do facínora e seus asseclas, encartucheirados e armados, dançando xaxado – que não é dança de cangaceiros, mas de trabalhadores, de agricultores, pois a palavra, onomatopéica, é derivada do som produzido pela enxada na faina de capinar, e da própria palavra “enxada”, ouça-se “xa-xa-do” – como se paraibanos fossem. Mesmo os passos da dança repetem o caminhar de quem capina, de quem limpa uma roça, ou abre suas covas, “puxando cobra pros pés”. O xaxado não é dança de cangaceiros, mas de trabalhadores pacíficos, assim como os cangaceiros não são da Paraíba, o quarto estado brasileiro com menor índice de homicídios. Mas é o que se vê, não só no cinema publicitário, mas nos restaurantes, nas escolas, nas lojas, a imagem do cangaço como símbolo da Paraíba, – berço de grandes nomes disputados por outros estados, que fazem a glória de sua terra e do Brasil.