sexta-feira, 3 de julho de 2009

Tio Sam pede perdão

Tio Sam pede perdão

Sitônio Pinto

O Senado dos EE.UU pediu desculpas aos negros pela escravidão a que foram submetidos na América, durante séculos de trabalho forçado e gratuito, sem férias, sem aposentadoria, debaixo de chicote, coice de cavalo e dente de cachorro. A carteira profissional era o ferro em brasa do Laudy – a forma africanizada de Lord, correspondente ao Sinhô, ou Yôyô da escravatura luso-tropical; é bom lembrar que Lord tanto pode ser a figura aristocrática, quanto Deus: “Sometimes I'm up and sometimes I'm down, / oh, ya, Lord...” (às vezes eu estou pra cima,/ às vezes eu estou pra baixo, oh, sim, Senhor...). E assim o negro canta sua oscilação de humor entre euforia e depressão no clima bi-polar da senzala, no espiritual Nobody knows the trouble I’ve seen, sublime na voz de Armstrong. Queira ver, de graça, no Youtube. Os senadores norte-americanos precisam ler “O jazz e sua influência na cultura americana” (Blues people: negro music in White) America, de Leroi Jones. É dele a definição “o escravo é o trabalhador sem direito” (pode ser encontrado na Estante Virtual e no Sebo Cultural do livreiro Eriberto
Foi uma decisão unânime a dos congressistas. Eles responderam de pé. Resta perguntar se vai ficar só nisso, ou vão dar uma compensação aos afro-descendentes pela exploração de seus pais e pela discriminação que vêm sofrendo até hoje. Será que os EUA têm uma reserva de vagas nas universidades para os negros pobres, que não podem pagar o caríssimo ensino superior particular, como é tudo na terra de Marlboro, nem um ensino primário e médio que os conduza à Universidade? Será que os negros têm uma reserva de mercado para nos postos de trabalho? E o atendimento médico aos libertos da senzala, como é?
Foi preciso ser eleito um presidente mestiço para que os senadores norte-americanos tomassem essa decisão. Isso deixa parecer que a homenagem foi mais ao presidente Obama de que aos negros propriamente ditos. É bom lembrar que os ancestrais de Obama nunca foram escravos, e a moção dos senadores referiu-se não restritamente aos negros, mas condenou a escravidão como um dos maiores crimes da humanidade.
Só mais recentemente a escravidão veio a ser considerada sob o ponto de vista racial; antes, os povos escravizavam seus irmãos de raça: gregos escravizavam gregos, romanos a romanos, judeus a judeus, seja na forma de servidão ou de escravidão. A escravidão era uma realidade de classe, de modo de produção. Só com o “achamento” da América tornou-se, também, uma fenômeno histórico-econômico que se estribava, ideologicamente, na questão racial, para a importação de mão-de-obra africana. E a discriminação racial passou a ser uma necessidade ética e um artifício ideológico moral, como única maneira de justificar a exploração escrava.
Tio Sam ainda tem que pedir perdão a muita gente. Deve começar pelos índios, que foram exterminados; depois, aos mexicanos, a quem roubaram todo o sul dos EUA; às populações civis de Nagasaki e Hiroshima, onde despejaram duas bombas atômicas; à população de Colônia, que torrou viva com bombas de fósforo. Nessas cidades, não havia nem um soldado, todos estavam no front. E que não se esqueça do Viet-Nam, do Camboja (onde USA jogou mais bombas do que na Europa, durante a SGM). Há muito perdão a pedir a muita gente, pelo grande pirata da humanidade.