sexta-feira, 3 de julho de 2009

Airboom

Sitônio Pinto

O primeiro jato comercial do mundo foi o De Havilland Comet, um belíssimo avião lançado ao ar no princípio dos anos cinqüentas. Era um quadrijato de asa baixa, com as turbinas embutidas nas asas, com uma carenagem oval. O Comet era bonito como todo avião que De Havilland produzia. Seu fabricante era o mesmo do famoso Mosquito, notável caça-bombardeio bimotor e biplace, talvez o avião mais perfeito da II GM..
Ele não viveu para ver a vitória da Inglaterra na II GM, mas foi um dos seus heróis. Mais tarde, sua equipe produziria o Comet – que deu início a uma série de tragédias aéreas que tem continuidade até hoje.
O primeiro acidente fatal com o Comet se deu em janeiro de 1954, quando um avião arribado de Roma, operado pela BOAC, se desintegrou sobre o Mediterrâneo. Os Comets foram retirados do ar para pesquisa; como nenhuma irregularidade foi detectada, voltaram a voar e provocar outro acidente fatal logo depois, em circunstâncias similares ao primeiro acidente: outro Comet desintegrou-se no ar.
A De Havilland recolheu os aviões, que foram submetidos a testes de choques hidráulicos, imersos numa piscina, esforço que superava, em muito, as provas dos túneis de vento. O Comet submerso se desintegrou por fadiga do metal, provocada pela diferença de pressão interna e externa, e a fuselagem com heranças dos projetos anteriores, inadequadas a esse stress, como sejam a linha de janelas grandes e quadradas, próximas umas das outras – um convite a ruptura, como o picotado de uma tira de papel higiênico.
Alguns erros dos Comets pioneiros foram corrigidos, e os aviões voltaram a voar – até outro Comet (da Aerolineas Argentinas) se arrebentar após a decolagem de Viracopos (Campinas, SP), em 23 de novembro de 1961. Em todos esses sinistros, não houve sobreviventes. A seqüência de tragédias levou a De Havilland a recolher seus aviões e seu prejuízo.
Mas as falhas mais ou menos secretas dos Comets continuam, como se pode ver na continuidade dos sinistros dos aviões da concorrência que desafiam os céus. Só o Airbus 310 provocou 678 vítimas fatais – as penúltimas em céus e águas do Brasil, no Atlântico, as últimas no Oceano Índico (onde, há poucos meses, sumiu um jato comercial durante uma tempestade). Com o Boeing 737 o número de vítimas fatais sobe para 3.514. E não se fala na retirada (recall) desses aviões para se estudar as causas de tantas tragédias. Os grandes capitais investidos na indústria aérea contam e pesam mais que as vidas apressadas de seus passageiros.
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O colunista agradece as generosas mensagens de apoio enviadas pela escritora Lurdinha Luna, pelo advogado Fernando Correia, pelo atencioso e atento leitor Alberto Mendonça e pelo sociólogo Palmari Lucena, assim como a reprodução dessas crônicartigos por Elpídio Navarro no sítio ElTheatro.