sexta-feira, 3 de julho de 2009

Uma boa idéia

Uma boa idéia

Sitônio Pinto

O primeiro-ministro de Israel, Benjamim Netanyahu, propôs a criação de um estado palestino – desde que desmilitarizado. Mais ou menos como os palestinos que estavam nos campos de refugiados de Sabra e Shatila, no Líbano, em 16 e 18 de setembro, quando foram atacados pelas Forças Cristãs Libanesas, milícia insuflada pelo governo de Israel. Baixas: 3.500 civis, entre homens, mulheres e crianças, todos desarmados.
Sabra e Shatila não foram os primeiros acontecimentos desse tipo na cruenta história da invasão israelita à terra de Canaã, ocorrida nos tempos bíblicos. Em Jericó, cidade mais antiga do mundo, seus primitivos habitantes foram todos passados a fio de espada pelo invasor judeu:

“Fique só com vida a meretriz Raab com todos os que estão em sua casa, porque ocultou os mensageiros que enviamos.” (Josué, 6 – 17, 22, 25, Bíblia Sagrada.)

O primeiro-ministro Benjamim teve uma boa idéia, parece que tomou 51. Cachaça está em moda no Primeiro Mundo, é bebida fina lá fora, e o primero ministro pode ter tomado uma, tem direito. Só não tem direito a desarmar o vizinho enquanto permanece armado até os dentes, chifres e presas. Benjamim não quer resistência armada no lado palestino. Benjamim só se esqueceu de um detalhe: propor a desmilitarização também de Israel, para ficarem todos em igualdade de condições. Ora, Israel é um dos estados mais armados do mundo, tem até bomba atômica, e não é justo que fique armada enquanto seus vizinhos sejam desarmados.
Obama devia fazer a mesma coisa que Benjamim: tomar uma 51 e ter uma boa idéia, propondo a desmilitarização de todos os seus inimigos (aqueles povos que os EUA invadem). Concomitantemente, jogaria no fundo mar todo seu arsenal, a começar das bombas atômicas. Ora, os EUA foram o único país do mundo a jogar bombas atômicas nos outros, feitas com urânio da Paraíba. Obama tem razão quando diz que o Irã e a Coréia do Norte não devem ter bombas atômicas. É uma boa idéia, ele deve ter tomado duas 51’s. Mas, a recíproca tem de ser verdadeira: os EUA devem também se desfazer de suas bombas atômicas e de seus cavalos-de-tróia. Isso é que é uma boa idéia, merece mais uma 51.
Bote outra. Lula, o cara do Brasil, fez algo parecido com o povo brasileiro: baixou o Estatuto do Desarmamento, dificultando a posse e o porte de armas pelo cidadão. Assim, o cidadão, célula do povo, não mais se insurgirá contra golpes militares nem ditaduras, como fez Dilma Houssef. Nem contra invasões estrangeiras, como fez o povo nordestino contra os holandeses. Lula teve uma boa idéia, deixou só os bandidos e os golpistas equipados. Mas o cara se esqueceu de desarmar primeiro os marginais, para depois desarmar os cidadãos e os soldados, inclusive os soldados estrangeiros, como os holandeses e os norte-americanos, tradicionalmente invasores. Aí vale uma garrafa de 51, para o cara tomar com Obama.

Um poeta, uma época (III)

Um poeta, uma época (III)

Sitônio Pinto

Os párias vestiam-se à sua maneira, com os paletós pelo avesso, e tinham manifestações peculiares e espetaculares, como as “neuras”, quando entravam em “agitação psico-motora”, sapateando, balançando os braços e gritando em altos berros, isso nos pontos freqüentados pela melhor sociedade — como no footing da Praça dos Três Poderes. Às vezes, comiam a grama da praça, de quatro pés, à Nabucodonozor. Eram essas performances meios de chocar a burguesia da época. Um dia, os párias deram uma neura no Clube do Silêncio. Em baixo era a sede de uma loja maçônica, o térreo e o primeiro andar separados por um soalho de madeira. O som da neura incomodou os irmãos maçons, que solicitaram a intervenção da Rádio Patrulha, instalada na esquina ao lado, para acabar com a reunião da pariagem no zuadento Clube do Silêncio.
O grupo de pintores e escultores contava com Hermano José, Raul Córdula, Marlene Almeida, Archidy Picado, Breno Matos, os irmãos Ademar e Marisa Barros, e outros ocultos no claro-escuro da memória. Vanildo não pintava, mas era interessado em estética e história da arte. Dominava bem o francês, e, assim, lia para quem quisesse ouvir os livros de teoria e técnica que lhe chegavam às mãos. À noite, fazíamos a “ronda lírica”: passeios a pé e em grupos pelas ruas sonolentas da cidade. Esses encontros eram animados pela voz seresteira do poeta Zezito Cabral – na opinião do teatrólogo Ednaldo do Egito, ”o maior cantor do mundo”. O vocabulário da pariagem era, em sua maior parte, da verve do pintor Ivan Freitas. Mas o agrupamento deve muito à gravidade de Vanildo, principalmente com sua editoria n’ A União nas Letras e nas Artes.
Na sua tentativa de definir aquele orfeão de poetas — mesmo fértil de contradições, pois os havia de várias correntes filosóficas — Vanildo Brito transborda o núcleo dos poetas e alcança outros grupos de artistas. Vejamos essas palavras da sua Introdução à antologia Geração 59:

Nunca se sentiu tanta sede de Absoluto como no atual momento histórico. E a Arte, como não podia deixar de ser, reflete fielmente este anseio de Transcendente. Nas artes plásticas, os abstracionistas deixaram bem a claro as tendências espiritualistas das modernas orientações estéticas. O primeiro livro de Kandinsky chamava-se Ä Espiritualidade na Arte”; segundo MICHEL SEUPHOR, esta obra concluía proclamando uma nova era, um período de intensa espiritualidade, que encontraria a sua expressão através da Arte. É o mesmo MICHEL SEUPHOR quem afirma ter encontrado em notas até então inéditas de MONDRIAN estas palavras: “A Arte não tem nenhuma significação, a não ser quando expresse o não-material, — pois é isto que possibilita ao homem a superação do seu próprio ser”.
Esta tendência espiritualista na Arte moderna vem de longe. Já em "O Nascimento da Tragédia”, afirmava Nietzsche que os elementos essenciais que provocaram a irrupção da tragédia ática foram

“... a concepção fundamental do monismo universal, a consideração da individuação como causa primeira do mal, a Arte finalmente figurando a alegre esperança de uma libertação do jugo da individuação e o pressentimento de uma unidade reconquistada”.

Não são, porventura, esses os motivos fundamentadores da atual tendência artística? E não estão refletidos, também, na moderna poemática paraibana?

Vanildo Brito não só foi um poeta da G-59, mas também um filósofo, um esteta – embora seu pensamento nem sempre coincidisse com o ponto-de-vista de sua geração, em grande parte inclinada ao marxismo, enquanto o poeta das “Odes ao Cabo Branco” identificava-se com Nietzsche, Spengler e Rilke – mas, acima de todos, Jorge de Lima, cuja obra poética considerava “o quinto Evangelho iluminado”.



À noite, fazíamos a “ronda lírica”: passeios a pé e em grupos pelas ruas sonolentas da cidade.

Um poeta, uma época (II)

Um poeta, uma época (II)

Sitônio Pinto

Mas a Geração 59 alcançava outras áreas das artes, a exemplo do teatro, onde Vanildo também escrevia peças, como A Serpente Alada, A Rebelião dos Abandonados, publicadas em plaquete, Andira (publicada n’A União nas Letras e nas Artes), e a inédita O Conselheiro, texto que o Autor leu para mim no Badionaldo (Praia do Poço), e depois destruiu, por excesso de auto-crítica. Em poesia, Vanildo publicou A construção dos mitos, O espaço e a palavra, Cantigas de amor para Inalda, Memorial poético, A sagração do emblema, Sinal das horas e Selecta carmina. Ainda traduziu fragmentos de Lucrécio, em Da natureza das cousas (De rervm natvra).
O espaço e a palavra é um livro de temática diferenciada, pois trata, poética e epicamente, da exploração do espaço sideral, do nascimento da cibernética, da palavra humana e da palavra organizada pela inteligência artificial. O livro já estava pronto nos fins dos anos sessentas, dez anos após G-59, muitos anos antes da democratização do computador. Quando concluiu o livro, o poeta brindou-me com a leitura íntima do texto no Badionaldo, como fizera com O Conselheiro.
Ao tempo da Geração 59 foi a premiação da peça A Erva, de Altimar Pimentel, e o primeiro lugar alcançado pelo Teatro do Estudante do Paraíba (TEP), no Festival Nacional de Teatro de Estudantes, realizado em Santos, SP, naquele ano, com a peça João Gabriel Borkman, de Henrik Ibsen. Era a primeira tradução da peça em português, feita por Walter Oliveira e Raimundo Nonato Batista. O prêmio de melhor ator ficou para Valdez Silva, e o de melhor atriz para Risoleta Córdula.
No dizer de Glauber Rocha o Cinema Novo Brasileiro nasceu em Paraíba, com os documentários Aruanda (Linduarte Noronha, Vladimir Carvalho, João Ramiro, João Córdula), Cajueiro Nordestino (Linduarte Noronha), Romeiros da Guia (Linduarte Noronha), o que teria continuidade, mais tarde, com A Cabra (Rucker Vieira), Padre Zé Estende a Mão (Jurandy Moura), e o longa Fogo (Linduarte Noronha). Esse grupo de cineastas compunha a ambiência da Geração 59. Havia elementos que faziam parte dos dois grupos (de poetas e cineastas), como João Ramiro. Merece especial registro a presença do amazonense Pedro Santos, o roteirista musical do Cinema Novo Brasileiro que surgia no Paraíba dos anos cinqüentas.
O pintor Ivan Freitas deu uma denominação mais abrangente àqueles artistas que tentavam renovar as artes no Paraíba e no Brasil (como foi o caso do Cinema Novo): os Párias. Ivan era autor de grande parte do vocabulário da Geração 59. Assim, poetas, teatrólogos, cineastas, pintores, escultores, músicos, éramos todos párias. “Somos uns párias” — disse, um dia, Ivan Freitas a Vanildo. E ficou batizada a grande geração de artistas que excedia ao grupo de poetas. Os párias tinham ritual de batismo, lá nas fontes da água mineral Santa Rita. E tinham sede física: a princípio reuniam-se numa pensão da Rua 13 de Maio, onde moravam alguns deles; depois alugaram um primeiro andar da rua Duque de Caxias, onde instalaram o surrealista Clube do Silêncio. (Continua.)

Um poeta, uma época

UM POETA, UMA ÉPOCA (I)

Sitônio Pinto

Vanildo Ribeiro de Lyra Brito desempenhou um papel de grande importância na renovação das artes na Paraíba, no fim dos anos cinqüentas do segundo milênio. Naqueles tempos, um grupo de jovens procurava caminhos para uma nova estética. Essa tendência manifestava-se não só na poesia, onde Vanildo Brito era destaque, mas no teatro, no cinema, nas artes plásticas.
Um grupo de 14 poetas (catorze, como os versos de um soneto) deu referência temporal a essa tendência, pois publicou antologia com a data/título: Geração 59. A data não está muito exata, que o livro já estava pronto desde 1958; mas, por dificuldades técnicas, só pôde sair do prelo em março de 1959, modificando-se, assim, o seu título.
O grupo era constituído por Celso Almir Japiassu Lins Falcão, Clemente Rosas Ribeiro, Geraldo Medeiros, João Ramiro Farias de Mello, Jomar Morais de Souto, José Bezerra Cavalcanti, José (Zezito) Cabral, Jurandy Moura, Liana de Barros Mesquita, Marcos Aprígio de Sá, Luiz Correa, Ronaldo José da Cunha Lima, Tarcísio Meira César, Vanildo Brito.
Eu cheguei depois, em 1961, aos dezesseis anos. Não sou da Geração 59, como pensam alguns, mas seu filho, ou continuador da G-59, como também era chamada. Outros também chegaram empós, como a poetisa Rejane Sobreira e o poeta Marcos dos Anjos, que logo se afastou da G-59 para formar o Grupo Sanhauá — com suas edições mimeografadas e capas em xilogravura sobre papel carne-seca, diagramadas por Pontes da Silva. Não fui da antologia, pois na época tinha apenas 14 anos, mas fiz parte do fenômeno da Geração 59 — que abrangia um tempo maior e uma área de atividades além da poesia, como pretendo mostrar. Falo assim porque falar de Vanildo Brito é falar da Geração 59, e vice-versa.
Não era bem um movimento; era mais uma tendência, um sentimento de renovação. O movimento de 1922 já havia chegado à Paraíba, como testemunham alguns textos de Olivina Carneiro da Cunha, o notável poema Hospitalidade, da autoria de Aderbal Piragibe, e o manifesto modernista assinado no Sertão, no município de Princesa (atual Princesa Isabel), por membros do Grêmio Literário Pereira Lima, sob inspiração do intelectual Joaquim Inojosa.
O grupo de poetas da Geração 59 teve um grande estímulo quando Vanildo Brito assumiu a editoria do suplemento literário A União nas Letras e nas Artes, continuador do antigo Correio das Artes (o suplemento literário mais antigo em circulação no Brasil). O Correio das Artes foi fundado em 1949 por Orris Soares (o mesmo fundador do jornal O Norte), mas seu nome sofreu mudança na editoria de Vanildo Brito, por conta do surgimento, na época, do jornal Correio da Paraíba. Posteriormente, continuou sendo publicado sob o título de U-2, na editoria de Jurandy Moura, voltando ao seu título antigo na editoria de Sérgio de Castro Pinto, quando foi alçado à condição de suplemento nacional e ganhou o prêmio de melhor suplemento literário brasileiro. (Continua).

Seremos todos campeões

Seremos todos campeões

Sitônio Pinto

Oito a um. Já vi um escore desses numa partida de futebol entre as seleções do Brasil e do Peru, se não me engano. A seleção chilena estava desclassificada, já tinha ido embora. Com a vitória acachapante do Brasil, o Peru caiu fora e o Chile foi classificado matematicamente, por saldo de golos. O técnico do Chile ficara para ver o jogo, e saiu às pressas do estádio para chamar seu time de volta.
Agora, o Supremo Tribunal Federal derribou, pelo mesmo escore, a obrigatoriedade do diploma de jornalista para o exercício da profissão. Os órgãos de classe dos jornalistas chiaram, os patronais aprovaram. Há muito tempo já me manifestei, em artigos, sobre o caso. Fui dirigente do Sindicato dos Jornalistas e tive que refletir sobre esse assunto para defender a categoria. Entendo a situação de maneira diferente dos órgãos dos trabalhadores da imprensa, dos patrões, dos advogados e do STF.
O meu ponto de vista não é original, pois já foi adotado em algumas unidades dos Estados Unidos da América, e deu certo. Naquelas unidades administrativas dos EEUU, estabeleceram a obrigatoriedade de pós-graduação para o exercício da profissão de jornalista e extinguiram a graduação. Essa medida valorizou o novo profissional, que passou a ser pós-graduado. Valorizou, ainda, porque ele passou a ser diplomado também noutra profissão. Essas duas situações lhe dão prestígio diante do patronato, o que repercute no salário. E as redações ganharam com isso, pois passaram a ter especialistas nos seus quadros:um jornalista-engenheiro para cobrir o acidente da ponte que caiu, um jornalista-médico para escrever sobre a epidemia, um jornalista-economista para explicar a crise econômica; um jornalista-jurista para analisar a decisão do tribunal etc.
O jornal é uma enciclopédia que tem de ser escrita todo dia, em doze horas. Ele reporta todos os assuntos. Mas as redações não têm especialistas sobre tantos temas, pois o curso de jornalismo não forma especialistas noutras áreas, muito menos faz enciclopedistas. Resultado: quando o repórter vai cobrir a ponte que caiu, o que se lê é um monte de impropriedades. Assim com o noticiário sobre a epidemia, sobre a crise econômica do capitalismo, sobre a decisão do júri que soltou o réu. O curso de jornalismo só ensina a fazer jornal, não é um super-curso que forma profissionais aptos a escrever sobre qualquer assunto. Daí as heresias que se lê nas páginas dos jornais, desde que se entenda do assunto em pauta. E o resultado não podia ser outro, pois o foca nada entende das redes de transmissão de energia elétrica para falar sobre a os planos de expansão da Eletrobrás.
Agora, com a decisão do STF, o jornal pode contratar um engenheiro-eletricista para a redação. E exigir que ele tenha uma pós-graduação em jornalismo, pelo menos uma especialização de um ano. Eis o que deve se transformado em lei, por decisão do Congresso (esse dos atos Secretos). Ganharão os jornalistas, que passarão a ser profissionais mais qualificados; ganharão os jornais, que terão em suas redações especialistas em áreas diversas; ganharão os leitores, que vão dispor de informações mais precisas. Ganharão o Chile, o Brasil e o Peru, num jogo onde ninguém sairá perdendo, onde todos seremos campeões.

Tio Sam pede perdão

Tio Sam pede perdão

Sitônio Pinto

O Senado dos EE.UU pediu desculpas aos negros pela escravidão a que foram submetidos na América, durante séculos de trabalho forçado e gratuito, sem férias, sem aposentadoria, debaixo de chicote, coice de cavalo e dente de cachorro. A carteira profissional era o ferro em brasa do Laudy – a forma africanizada de Lord, correspondente ao Sinhô, ou Yôyô da escravatura luso-tropical; é bom lembrar que Lord tanto pode ser a figura aristocrática, quanto Deus: “Sometimes I'm up and sometimes I'm down, / oh, ya, Lord...” (às vezes eu estou pra cima,/ às vezes eu estou pra baixo, oh, sim, Senhor...). E assim o negro canta sua oscilação de humor entre euforia e depressão no clima bi-polar da senzala, no espiritual Nobody knows the trouble I’ve seen, sublime na voz de Armstrong. Queira ver, de graça, no Youtube. Os senadores norte-americanos precisam ler “O jazz e sua influência na cultura americana” (Blues people: negro music in White) America, de Leroi Jones. É dele a definição “o escravo é o trabalhador sem direito” (pode ser encontrado na Estante Virtual e no Sebo Cultural do livreiro Eriberto
Foi uma decisão unânime a dos congressistas. Eles responderam de pé. Resta perguntar se vai ficar só nisso, ou vão dar uma compensação aos afro-descendentes pela exploração de seus pais e pela discriminação que vêm sofrendo até hoje. Será que os EUA têm uma reserva de vagas nas universidades para os negros pobres, que não podem pagar o caríssimo ensino superior particular, como é tudo na terra de Marlboro, nem um ensino primário e médio que os conduza à Universidade? Será que os negros têm uma reserva de mercado para nos postos de trabalho? E o atendimento médico aos libertos da senzala, como é?
Foi preciso ser eleito um presidente mestiço para que os senadores norte-americanos tomassem essa decisão. Isso deixa parecer que a homenagem foi mais ao presidente Obama de que aos negros propriamente ditos. É bom lembrar que os ancestrais de Obama nunca foram escravos, e a moção dos senadores referiu-se não restritamente aos negros, mas condenou a escravidão como um dos maiores crimes da humanidade.
Só mais recentemente a escravidão veio a ser considerada sob o ponto de vista racial; antes, os povos escravizavam seus irmãos de raça: gregos escravizavam gregos, romanos a romanos, judeus a judeus, seja na forma de servidão ou de escravidão. A escravidão era uma realidade de classe, de modo de produção. Só com o “achamento” da América tornou-se, também, uma fenômeno histórico-econômico que se estribava, ideologicamente, na questão racial, para a importação de mão-de-obra africana. E a discriminação racial passou a ser uma necessidade ética e um artifício ideológico moral, como única maneira de justificar a exploração escrava.
Tio Sam ainda tem que pedir perdão a muita gente. Deve começar pelos índios, que foram exterminados; depois, aos mexicanos, a quem roubaram todo o sul dos EUA; às populações civis de Nagasaki e Hiroshima, onde despejaram duas bombas atômicas; à população de Colônia, que torrou viva com bombas de fósforo. Nessas cidades, não havia nem um soldado, todos estavam no front. E que não se esqueça do Viet-Nam, do Camboja (onde USA jogou mais bombas do que na Europa, durante a SGM). Há muito perdão a pedir a muita gente, pelo grande pirata da humanidade.

Riso

Riso

Sitônio Pinto

Por muitos e bons anos Riso foi agente de arte em Paris, expondo e promovendo artistas plásticos brasileiros, locais e do mundo inteiro que a procuravam para entrar no mundo das artes, da fama e da glória. Foi uma espécie de embaixadora brasileira em Paris, dizia seu amigo Palmary Lucena, ele também uma espécie de embaixador brasileiro junto a tantos organismos internacionais em que trabalhou, agora publicando sua experiência de globe-trotter em insuperáveis artigos que promete transformar em livro.
Riso era filha do emérito professor Raul Córdula e de Dona Elizabete Trevas Córdula, ele meu mestre de Latim no curso Clássico do Lyceu, lá no começo dos anos sessentas. Naquele tempo, tudo que se fazia no setor de educação, na Paraíba, tinha de passar sob o crivo do professor Raul Córdula, mestre não só em Latim, mas ainda em Pedagogia. Era um homem literalmente esperto e ativo: viveu acordado durante muitos anos, absolutamente sem dormir. Uma noite, alta noite, em meio de uma farra, passei por sua casa e vi a luz acesa. Não me lembrei do detalhe da insônia do professor; pulei o muro e chamei por Raul (o Córdula Filho), meu colega do Liceu e do grupo dos “Párias” – ambiente que envolvia a Geração 59.
- Quem é?
- É Dom Quixote, Pária!
Ao ouvir a expressão “Pária”, o mestre entendeu que o chamado não era para ele, e, um tanto perplexo, foi acordar o filho:
- Raulzinho, tem uma cara aí chamando por você, dizendo que é Dom Quixote.
Riso era a irmã mais velha do meu irmão Raul, o pintor de “A vendedora de flores” e da série “Borborema”, premiado internacionalmente. A irmã mais velha de Leda, de quem falei há poucos dias, nessa coluna, como a ganhadora do prêmio de melhor atriz no Festival Nacional de Teatros de Estudantes, realizado em Santos, SP, nos idos de 1959. Era a irmã mais velha de Betinha Kawamura; a irmã mais velha de Roberto e de tantos nós, principalmente daqueles que foram buscar seu apoio para entrar no mundo das artes de Paris – onde tinha um círculo mágico de amizades, em que se destacava o escritor Paulo Coelho.
Durante muitos anos, Riso lutou bravamente contra o lobo do câncer. Sua luta desigual contra o inimigo feroz faz lembrar a passagem de Paulo Coelho em “O Demônio e a Srta. Prim”:
- Agora mostre que é um homem – gritou. – Desça da árvore, segure firme o archote, e mantenha o fogo na direção do lobo!
[...] O lobo recuara, estava assustado com o fogo: continuava a rosnar e saltar, mas não chegava perto.
Riso era uma espécie de irmã mais velha de sua geração. De Palmary Lucena a Glória Gadelha, dos artistas brasileiros que precisavam de um referencial na França. E deixou-nos uma irmã belíssima – sua filha Cristina Córdula -, a grande manequim brasileira internacional, capa das revistas do mundo, que abriu caminho para as estrelas de hoje e que ainda brilha sob o céu de Paris.